sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Boleiros da Arquibancada" entrevista: Flávio Gomes

De Belo Horizonte.
Por João Vitor Cirilo e Matheus de Oliveira.

06/05/11 - Batemos um papo com mais um ícone da comunicação esportiva. Flávio Gomes é comentarista dos Canais ESPN e colunista do Portal IG, exímio entendedor do automobilismo e colecionador de carros. Gentilmente, Flávio aceitou conceder essa entrevista que segue abaixo. Confiram.


Você é colecionador de muitos carros antigos. O jornalismo não deve proporcionar uma realização financeira o bastante para isso. Conte-nos de suas origens. Você vem de família mais tradicional ou passou por dificuldades para chegar onde chegou?
- Nossa,quanto preconceito! Por que um jornalista não pode colecionar carros? Tudo que tenho consegui com meu trabalho. Não venho de família rica, nunca recebi herança, longe disso. Sou de uma família absolutamente normal, classe média. Estudei em colégio público e particular, trabalhava de dia para pagar a faculdade à noite. Tenho quase 30 anos de carreira, sempre trabalhei em grandes órgãos de imprensa, e se você somar o valor de todos meus carrinhos, provavelmente não dá uma Tucson. Além do mais, é uma coleção que vem sendo montada há 23 anos. Tem gente que gasta seu dinheiro com jóias, carros novos, imóveis. Eu gasto com carros, uai. Quanto às dificuldades, acho que cumpro minha cota delas diariamente. Trabalho sete dias por semana, quase todos os finais de semana, sem hora para entrar, sem hora para sair. Não sou rico porque tenho um monte de carro antigo. Isso é preconceito.


E a família o apoiou quando souberam o que queria da vida, ou seus pais o queriam levar para outro setor profissional?
- Meu pai não gostou muito, porque nunca tivemos jornalistas na família e ele achava a carreira meio incerta. Mas isso quando ainda era adolescente. Como comecei a trabalhar muito cedo, meus pais perceberam que era minha vocação. Sempre me apoiaram, nunca tive problema algum nesse sentido.


Quem foi o melhor de todos os tempos: Senna ou Schumacher? Por quê?
- Schumacher. Porque é um piloto mais completo, passou por várias fases da F-1 sempre vencendo, enquanto correu lutou por títulos e vitórias. Um cara que esteve no auge por quase 15 anos. Fora os números e as realizações, como ser campeão por uma equipe média, a Benetton, e aceitar o desafio de tirar a Ferrari da fila, algo que poucos seriam capazes de encarar.


A paixão por carros veio antes do gosto pelo jornalismo, um levou ao outro, ou não foi bem assim?
- Sempre gostei dos dois, carros e jornalismo. Sempre quis ser jornalista, e não vejo relação entre esse desejo e minha paixão por carros e corridas. Cobrir F-1 acabou sendo algo circunstancial, não era um projeto de vida. O projeto de vida era ser um bom jornalista, só isso.


A Fórmula 1 é a categoria mais nobre do automobilismo, mas é a sua preferida?
- É minha preferida. Gosto da tecnologia, a qualidade dos pilotos é excepcional, as corridas são bons espetáculos. Mas gosto muito do Mundial de Rali, também. Para ver, é até mais divertido que a F-1.


Por que no Brasil não há piloto “top de linha” na F1? Ou tem algum e o que não ajuda é o carro?
- Porque não temos automobilismo de base no país. Mas o Brasil já teve grandes pilotos e pode vir a ter de novo no futuro. Vai ser mais difícil, porque não se forma mais ninguém aqui. Todos os que estão nas principais categorias e todos os que se deram bem tiveram uma ótima escola no automobilismo e no kartismo nacional. Mas Senna é um bom exemplo de que embora seja necessária, a base não é essencial. Ayrton nunca correu de carro no Brasil, só de kart. Foi direto para a Europa. Isso pode acontecer de novo. Mas são casos muito raros. Os demais aprenderam a guiar aqui, num automobilismo forte que tinha F-Ford, F-Vê, F-Renault, F-Chevrolet etc. Agora não tem mais.


Pelo programa Bate-Bola, da ESPN Brasil.
Para ser piloto é necessário não ter medo de velocidade ou consegue-se se adaptar à ela?
- É claro que o cara não pode ter medo de velocidade. Mas é preciso muito mais do que isso: preparo físico, psicológico, conhecimento mecânico, sensibilidade, dinheiro, um monte de coisa.


Flávio, a Fórmula Indy é uma categoria que ainda não emplacou no cotidiano dos brasileiros. Em sua opinião, a que se deve esse fato? E, aproveitando o gancho, num geral, o automobilismo tem o espaço necessário na mídia?
- A Indy teve seu momento no Brasil quando tinha pilotos brasileiros ganhando, gente de nome forte como Emerson, Gil de Ferran, Cristiano da Matta. E embarcou numa certa depressão pós-Senna, o que lhe conferiu certa popularidade. Mas hoje ela enfrenta aqui os problemas que a própria categoria sofre desde o racha entre IRL e Cart. Não será nunca tão popular quanto a F-1, mas pode ganhar mais espaço. Pena que depende muito de vitórias brasileiras e também de uma cobertura mais séria da emissora que transmite as corridas, que é muito falha nesse aspecto. Quanto à mídia, o automobilismo tem o espaço que merece, atualmente. Os verdadeiros fãs de automobilismo se informam pela internet, não pela mídia tradicional. A internet atende bem a esse público.


Na Stock, há um mês, tivemos um fato lamentável: a morte do piloto Gustavo Sondermann. Em algumas conversas nossas sobre a categoria, levantamos a possibilidade dessa categoria do automobilismo ser pouco segura. Alguns levantaram a tese de que se o acidente houvesse acontecido na Fórmula 1, Gustavo não teria falecido. Qual a sua opinião sobre a Stock Car? É uma categoria realmente perigosa ou essa dúvida foi apenas levantada devido à esse acidente?
- Há riscos em qualquer corrida, mas é claro que a segurança da Stock tem lacunas. Não fosse assim, não teriam ocorrido dois acidentes fatais em pouco mais de três anos. Mas eles ocorreram na categoria de acesso, que tem carros menos seguros que a categoria principal. Há vários problemas, que passam pela segurança dos autódromos, também, e pela precariedade na formação dos pilotos.


Falando em Stock, qual o favorito ao título e por quê?
Max Wilson, Cacá Bueno e Ricardo Maurício são os melhores pilotos da categoria. Estão num nível acima dos demais. Um deles deve ser o campeão neste ano.


Falando de futebol, agora. Recentemente você entrevistou o presidente do Atlético, Alexandre Kalil, no Bate-Bola, da ESPN Brasil. Na ocasião, o presidente disse que estava revoltado com a situação “imposta” pela Globo aos os clubes. Qual sua opinião sobre o assunto?
- Os clubes se tornaram reféns da Globo, entre outras coisas porque recebem adiantamento de verba. E porque são pressionados por seus patrocinadores, que acham que a Globo é a única que dá retorno. Acho a situação de monopólio sempre nociva. Os clubes deveriam se unir, estabelecer um valor pelo seu produto, os campeonatos, e oferecer a quem quisesse. Um exemplo: queremos um bilhão pelo Brasileiro. Quem quer comprar? Se só aparecer uma emissora, que pague o bilhão sozinha. Se aparecerem cinco, que se divida o valor por cinco. Isso democratiza o acesso ao futebol, dá ao telespectador a liberdade de ver os jogos onde quiser e não deixa os clubes sujeitos aos humores de uma só emissora.


Por qual equipe de futebol o coração de Flavio Gomes bate mais forte?
- A Portuguesa, claro.



Ídolos no esporte ...
- Bernd Rosemeyer, piloto da Auto Union nos anos 30. Michèle Mouton, francesa que corria pela Audi no Mundial de Rali. Enéas e Dener, no futebol. Não tenho muitos, para dizer a verdade. Quando a gente trabalha com esporte, é melhor deixar a idolatria de lado.


Qual o fato marcante em sua carreira que você possa nos contar, Flávio?
- A cobertura da morte de Senna é certamente a mais marcante, pela dimensão histórica da tragédia.

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