Hoje empresária e consultora no chamado "Mercado do Luxo", maior jogadora da história da Romênia comenta 20 anos da bem-sucedida carreira
De Belo Horizonte.
Por João Vitor Cirilo.
06/04/2015 - Os gritos de "Pirv, eu te amo!" na histórica final da Superliga Feminina de Vôlei 2001/2002, disputada no Mineirinho, ainda estão na memória de Cristina Pirv, maior jogadora da história da Romênia, ídolo e destaque por onde passou (afinal, 18 títulos e 19 prêmios individuais em 20 anos de carreira não são para qualquer um). A ex-ponteira, daquelas consideradas "completas", marcou época no grande time do Minas Tênis Clube responsável pelo único título de Superliga Feminina que o clube detém (além da Liga Nacional conquistada uma década antes), e deixou inegável idolatria não apenas entre os torcedores mineiros.
Entre 1986 e 2006, Pirv defendeu profissionalmente clubes na Romênia (o Dínamo Bucareste foi o primeiro profissional), Itália e França, além do Minas; conseguiu se destacar em todos eles.
Perfeccionista autodeclarada, Pirv, hoje com 42 anos, aposta agora em um novo desafio: é empresária no chamado "Mercado do Luxo", em expansão no Brasil (a expectativa de crescimento no país é de 25% até 2017), e comanda um curso do Centro Europeu de Curitiba, cidade onde mora nos dias de hoje. Focada, a romena não pensa em retornar ao vôlei por agora, mas acredita que poderia contribuir de alguma forma caso cheguem propostas. "Se houver proposta, gostaria muito de passar minha vivência. Nenhuma faculdade e nenhum livro podem mostrar o que tenho de experiência. Mas, por enquanto, estou focada no novo trabalho e estou feliz", afirma a ex-atacante.
Maior pontuadora das Superligas de 1997/1998 (também foi melhor atacante e melhor recepção), 1999/2000, 2000/2001 (também foi melhor estrangeira) e 2001/2002 (além de melhor recepção), Cristina Pirv deixa claro que o amor pelo Minas não passou, mesmo já 13 anos após o fantástico título. "Quando cheguei aqui e vi essa estrutura, torcida, essa cidade, jogadoras, quem limpa a quadra, massagistas... foi extraordinário. Tudo se encaixou, foi perfeito".
Durante a entrevista, Pirv também recordou que esteve perto de retornar às quadras e ao Minas em 2012, mas acabou optando por seguir cuidando da família e partir rumo à Argentina ao lado do ex-marido Giba. Em bate-papo de uma hora com o Boleiros da Arquibancada, a romena relembrou com alegria os vários grandes momentos da carreira e também comentou os novos desafios.
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Você parou na Itália em 2006. Realmente foi por problema cardíaco?
Na verdade, resolvi o problema com cirurgia e estava liberada pra voltar. Tive proposta em 2007 pra ir pra Rússia, só que a gente (eu e Giba) decidimos não prosseguir na carreira. Fiz mais um filho, foi uma opção de família, e por isso parei. Comecei a ser empresária dele (Giba), sempre gostei dessa área. Perdi duas propostas no começo, mas depois deu tudo certo, tanto que ele fez grandes propagandas com grandes empresas. No começo eu falava português, mas não sabia escrever direito. Era um desafio novo, mas eu sempre gostei. Hoje, por exemplo, estou no "Mercado do Luxo"...
Exatamente isso que iria te perguntar: e como está hoje?
Estou super feliz, maravilhada. É outro desafio. Na minha vida foram muitas mudanças, sempre para melhor. No ano passado tive essa proposta, amadureci bastante e estudei, fiz empreendedorismo para palestrantes, para fazer palestras. Quando tive essa proposta do Mercado do Luxo, pensei porque vivi, tenho uma experiência muito grande nesse mercado, morando na Itália, Rússia, Franca... Academicamente não sou muito perfeita, mas a convivência vale muito mais do que fazer uma faculdade. Por isso pensei em aceitar e está sendo extraordinário. Estamos abrindo um curso dia 8 de abril no Centro Europeu em Curitiba. Eles são muito sérios e me deram essa oportunidade, pessoas que não me conheciam tanto profissionalmente, E tem bastante procura porque é um mercado que nunca cai.
Em que áreas atuam?
Não falamos só de moda, mas também de gastronomia, serviços... Acho que estamos abrangendo várias áreas, há vários públicos, diferenciados. Por exemplo, tem um rapaz que fará o curso e trabalha em empresa de ar-condicionado. A dúvida dele é: "o que tenho a ver com a Louis Vuitton e pra quê verei bolsa?". Na verdade, queremos mostrar às pessoas como elas podem ter um salto de qualidade na sua empresa, vendo como a Louis Vuitton fez até agora. Não basta ver a bolsa de 10, 15 mil. Você deve ver a história por trás, como é feito o material... é a diferenciação que a torna isso.
Então, na verdade, é um trabalho de consultoria.
Exatamente. Mas é um curso de quatro meses, 136 horas, com professores qualificados no Mercado do Luxo. Nas grandes marcas, o objetivo é mostrar que nenhuma começou construída. Todas foram construídas, a médio e longo prazo. Aqui no Brasil falta paciência...
O grande problema é o imediatismo.
Muito imediatismo! Como sou europeia, lá vi que tudo é pingo por pingo, step by step. Não é construir agora e já subir ao 13º andar. Ainda falta essa paciência ao brasileiro, se dedicar para ter retorno. Quer ter retorno e depois de dedicar, caminho contrário.
Foto: Arquivo pessoal
E como começou seu envolvimento com o vôlei lá na Romênia ?
Começou aos oito anos. Também fazia patinação artística e atletismo. Me virava na patinação, era muito boa no atletismo, mas não gostava por ser esporte individual. Meu técnico de vôlei falava que tínhamos que ser bons atletas para sermos boas jogadoras. Depois entendi o que ele dizia. Esses atributos, salto em altura, em distância, me ajudaram a me desenvolver como jogadora. Joguei entre 13 e 14 anos antes de ser contratada pelo Dínamo Bucareste. Meu treinador não queria que eu saísse e meus pais também não, mas eu queria e acabei indo. Foi uma das primeiras mudanças. Com 14 anos e meio já era titular no clube adulto, apesar de terem me contratado para jogar no juvenil.
Você foi muito precoce na época.
Antes de ir para o Dínamo, meu técnico já me ensinou a sacar viagem, fui a primeira da Romênia a fazer isso, ainda aos 14. Com 15 anos, dei minha primeira entrevista. Na época, no Comunismo, não tinha isso de dar entrevista...
E como era jogar em uma época como essa?
Não era fácil. Foi um período difícil, mas muito forte para aprender muitas coisas. Era tudo racionado. Tínhamos uma lista, por exemplo: família Pirv, um litro de leite, um quilo de açúcar, um quarto de pão por dia... você ia com o papel, pegava a porção, e isso era pro mês. Se precisasse de mais, problema seu. Não tinha carro, se tinha um dólar no bolso era preso, era tudo monitorado. Quando fui pro Dínamo, o clube era comandado pela polícia que dominava o país. A cada três meses nos chamavam pra contar as informações sobre a família, obrigavam as pessoas a fazer aquilo que eles queriam. Se você não fazia o que eles queriam, sua própria família era prejudicada. Eu quis ir pro Dínamo, mas havia gente que não queria.
Começou a jogar em Turda, sua cidade Natal, mesmo...
Isso. Comecei a jogar lá e fui pra Dínamo, onde fiquei cinco anos. Com três anos e meio já estava na seleção juvenil, com 16 anos fui melhor atacante do Europeu, com 18 a melhor da Europa e, com 19, fui melhor da Europa em 90, um ano depois de cair o comunismo. Em 1991, fui pra Itália, mas tinha muitas propostas, por ser muito nova e melhor jogadora da Europa. Não queriam me deixar ir embora, por ser uma referência. Tinha França, Grécia, Espanha, mas eu queria apenas a Itália, porque era o top da época. Todos os melhores estrangeiros jogavam lá. Fui a melhor da Europa, mas queria saber o que poderia fazer ao me confrontar com os melhores do mundo.
E ainda muito nova.
Sim, e foi uma experiência maravilhosa. Sair de um país comunista e vista como uma extracomunitária, sempre tive que lutar mais do que qualquer uma para mostrar minha qualidade. Acho que foi de mim mesmo. Sempre quis me superar mais. Quando fui pra Dínamo, treinava sozinha, com o time masculino (com 14 anos e 20 centímetros a menos do que os atacantes na rede), acabava o treino e treinava mais um pouco, ia correr. É uma característica minha. Não é ser o melhor, mas fazer o melhor.
O melhor que você puder.
Se eu fizer 100% do que posso, basta. Às vezes o outro é melhor do que eu nisso, mas eu fiz meu máximo. Uma vez na Itália, havia uma jogadora extraordinária, Prikeba Phipps, americana, 1,93m. Uma vez em um jogo, eu com 1,80m, falei que queria fazer como ela, atacar por cima do bloqueio. Eu pulava muito, mas 13 centímetros é uma grande diferença por cima do bloqueio. Houve um jogo e falei que tentaria isso, mas não me lembro de ter feito cinco pontos (risos). Saí de lá chorando, mas falei: acho que não é esse o caminho. Dali pra frente eu entendi mesmo. Não é se comparar com os outros, mas ser igual me bastou essa experiência.
Quem é bom jogador se adapta.
Isso. Quando vim pra Minas em 1997, o Chico Santos era meu técnico. Eu queria só atacar, porque na Itália o estrangeiro tinha que fazer a diferença no ataque. Ele me xingava e eu não entendia nada de português, eu xingava ele em italiano. "Você tem que passar, depois pensar no ataque!". Ele me encheu tanto a paciência que eu fui aperfeiçoando minhas qualidades. Quando fui a melhor da Europa, eu fui porque era completa, mas os italianos só queriam que fizesse ponto.
Lembra daquele momento que o Minas entrou em sua vida, em 1997? Houve alguma dificuldade?
Acho que adaptação não foi muito difícil. Morei em 1994 com uma brasilira na Itália, Maria Angela Sabino, e o meu treinador era o Mauro Grasso, que depois foi técnico aqui. Tinha uma noção de Brasil e, em 1994, jogamos o Campeonato Mundial aqui em Minas. Essa minha amiga falava assim: "você tem que ir pro Brasil, loira, com as pernas desse jeito, vai fazer sucesso, vai ser grande jogadora". E eu não tinha isso como sonho, era muito longe. Eu estava na Italia, no Napoli, e haviam duas estrangeiras. Quando voltei da sleeção, tinha três estrangeiras, duas americanas, e saí. O Luiz Eymard (diretor minas-tenista) estava na Itália e falou que queria me levar. Eu ganhava "100" e falei que queria "200". Ele aceitou e fiquei assustada. Não sabia o que era Minas. Quando cheguei aqui e vi essa estrutura, torcida, essa cidade, jogadoras, profissionais, quem limpa a quadra, massagistas... foi extraordinário. Tudo se encaixou, foi perfeito. Haviam várias jogadoras famosas aqui, poucos me conheciam, mas acredito que não peguei o lugar de ninguém. Nunca tive essa mentalidade que tem muito aqui de que eu preciso passar por cima das pessoas pra ser o melhor.
E isso existe aqui em vários setores.
Todos os setores eu acho. Fiz meu trabalho, quietinha, com profissionalismo, dedicação, e criei minha história aqui. Foram quatro temporadas (1997/98, 1999/2000, 2000/01 e 2001/02). Fui melhor pontuadora de todas e ganhamos também Copa do Brasil e Sul-Americano.
Daquelas temporadas anteriores, porque o título só veio em 2001/2002?
Acho que era o grupo mesmo. Tanto agora como antes, o esporte coletivo depende um do outro, principalmente o vôlei. Acho que esse entrosamento faltou de cada um. Os outros times, o Rexona, o Flamengo, tinham isso.
E daquele time campeão, qual era a expectativa geral?
Acho que sempre acreditavam, a expectativa era de vencer, pelas minhas conversas com patrocinadores e clube. Na época, buscávamos isso todos os anos. Nas três outras temporadas, era meta, nos perguntávamos o que tínhamos que fazer a mais para ganhar. E não foi um ano perfeito desde o início. Tivemos problemas, não sabíamos se era pra tocar o técnico, fizemos reuniões. Acho que a conscientização de todas foi muito importante. Me lembro que a Lili (Elisângela, oposta), chegava ao treino e falava que não aguentava mais, uma, duas, três vezes. Cheguei pra ela e disse: "nunca mais me diga isso, porque contamina. Se eu não estou tão bem e escuto você, vou mais pra baixo. Toda vez que você me ver, diga que está super bem". No fim da temporada, ela me agradeceu. Uma palavra diferente, uma atitude, contamina. Essa motivação fez a diferença.
O Antônio Rizola foi o treinador no último ano (também teve Chico e William). O método de trabalho do Rizola, não somente pelo título, foi o que mais deu certo?
Acho que foi ele que trabalhou mais o grupo mesmo. E o psicológico também. Nos encontrávamos com ele, ele conversava com as mais experientes.
Você teve uma carreira extremamente vitoriosa desde o início. Parar aos 34 anos foi por já ter conquistado o que precisava ou você faria diferente?
O que eu fiz na hora eu achava certo, óbvio. Não me arrependo. Quis voltar em 2012...
Foi proposta do Minas. Por que não?
Sempre por causa da família. O Giba foi jogar na Argentina, ele também teve proposta do Minas e eu também. Falei bastante pra ele na época pra ficar aqui, ele não quis e acabei seguindo a família.
Fator financeiro também foi muito bom pra ele...
Foi muito bom, mas, na minha concepção, às vezes não é o dinheiro primeiro. No Minas, quando eu vim, eu pedi 200 pensando que não iriam aceitar mesmo. Mas nunca fiz isso. Sempre via quem era a levantadora, técnico, o grupo... até por isso também aceitei o desafio do Mercado do Luxo também. É um grupo. Sempre foi uma necessidade estar em grupo. Agora estou super bem.
Estava bem pra jogar em 2012? Porque lembro bem que o time precisava de você...
Todo ano eu tinha proposta. Bernardinho, Osasco e Minas. Todo ano me falavam. Mas acho que o que fiz foi certo para aquela época.
Pirv quase retornou ao Minas em 2012.
(Foto: Reprodução)
Foi uma final forte. Me lembro de termos perdido lá por 3 a 0 em 50 minutos contando com a ducha (risos). No segundo jogo, no Minas, eu me machuquei no segundo set, torci o tornozelo. O médico falou que eu não iria jogar, coloquei gelo... primeira torção da carreira. Fiz bota com esparadrapo, levantei e falei com o Rizola que iria entrar. Ele não queria, mas me colocou. Era 2 a 0 e 16/13 pra elas. Tinha aparecido na tela "BCN campeão" e nós viramos o jogo. Acho que a vontade foi maior naquele momento. A palavra foi "superação", de cada uma. Cheguei em casa e meu pé inchado, não conseguia andar. Fiquei a semana toda fazendo fisioterapia, um único treino no Mineirinho só pra me ambientar pro ginásio. E foi outra superação. Fui melhor jogadora, 25 mil pessoas. Minha mãe desmaiou quando ouviu o "Pirv, eu te amo". E naquele jogo toda hora eu gritava com a Fofão pra me dar bola. E ela obedecia (risos).
E a Fofão, aos 45 anos?
Fofão é uma unanimidade. Sempre foi uma atleta regrada, equilibrada. A partir de uma certa idade, faz a diferença. A vida regrada que você levou antes, quando se podia fazer tudo. Sempre teve uma condição muito boa em tudo o que fazia na vida dela, sem bebida, sem noitada...
Qual o tamanho do Minas na história do vôlei, nos clubes que você jogou?
O maior. No Calabria, na Itália, a torcida também era muito legal, mas acho que o Minas vence. Pelo acolhimento, pela cidade, na minha memória, é o primeiro.
O que faz o Minas um clube desse tamanho?
Tem muito pra se aprender com o Minas. Estrutura maravilhosa, é um exemplo de clube pra fora. Se puder implantar um projeto desse fora daqui, seria extraordinário. Do estacionamento, a quadras de treinamento, musculação... tudo isso faz parte. O atleta tem tudo o que precisa em um lugar só. Normalmente, na Europa, não há um centro, cada instalação fica em um lugar. O Dínamo também era um clube, mas nada se compara. Minas é a referência.
O que você tem acompanhado do vôlei brasileiro hoje?
Vejo muito pouco. Um dia até vim ao Minas pra ver se tinha alguma área para eu trabalhar, acabou que não deu muito certo, então hoje em dia não estou acompanhando muito. Não me envolvo muito, não estou jogando, meu foco está em outra área, em minha vida, nessas mudanças que aconteceram.
Mas gosto de ver, tenho algumas amizades, caso do Ricardinho e a esposa, Cibele e Dante, Elisângela, a Raquel que jogou vôlei de praia, Josiane... ainda tenho contato.
Não pensa em voltar pro vôlei?
Se tiver proposta, gostaria muito de passar essas vivências. Nenhuma faculdade e nenhum livro podem mostrar o que tenho de experiência. Mas, por enquanto, estou focada no novo trabalho e estou feliz.
Uma grande atleta e uma grande mulher.
ResponderExcluirMerece todos os aplausos do mundo pelo seu caracter.
Uma grande atleta e uma grande mulher.
ResponderExcluirMerece todos os aplausos do mundo pelo seu caracter.
Estava fazendo uma busca na web e acabei achando esta ótima entrevista com meu maior ídolo no vôlei: a inesquecível Cristina Pirv. Como torcedor do Minas, serei sempre grato à dedicação e ao talento dessa atleta. Obrigado ao blog por postar essa entrevista.
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